sábado, setembro 03, 2005

Visões Soltas (1)












I

Escondi-me de mim e de coisas que pensava e não queria. Escondi-me no trabalho, no álcool; Fiz-me pequenino para caber numa chávena vazia de café ou entre as páginas de um livro. Andei entre as sombras das árvores e evitei as luzes da noite. Passei longe de toda a gente e de tudo. Não lamento.

II

Há anjos da guarda que nos cortam as asas e nos deixam a alma amolgada.

III

Havia e talvez haja ainda, um reino distante. Tão distante que era ao mesmo tempo longe de tudo. Ficava num vale enorme capaz de ocupar o mundo e tinha as mais altas montanhas de se ouviu falar por terem o tamanho do mundo.

Nesse reino havia dois reis e um deles era sempre derrotado e uma só princesa, bela, indecisa, muito nobre e sobretudo leal.

IV

Tive uma fase na minha vida em que não queria que ninguém soubesse o que se passava. Rapei o cabelo e chamei-lhe moda por saber que cairia. Irritava-me profundamente que ninguém sentisse o medo e a piedádezinha que eu sentia por mim.

Feliz ou infelizmente tudo, como eu, passa, o bom sobretudo, o mau raramente e eu sempre passo.

V

Aprendi que os “bête noir”, são maus sonhos resultantes de receios profundos transformados em pesadelos recorrentes. Como não sou psicólogo nem me interessam as interpretações dos “dissecadores de sentidos e sentimentos “, folgo no facto de ser saudável ou pelo menos ignorante.

VI

Também hoje ouvi que o estado prolongado de insónia pode provocar paranóia temporária.

Fantástico, pensei! Depois a desilusão.

Vou ter que me aguentar com as minhas dúvidas.

Só acontece a paranóia por insónia realmente prolongada e quatro dias não devem contar.

Até essa desculpa me escapa para não recear aquilo que penso!

VII

Esforcei-me por eles em horas impróprias, e tempos não pagos. Contavam mais comigo talvez do que com eles. É duro acordar cedo para ajudar e estar até tarde a pensar nisso.

A admiração paga pouco ou nada, mas ver que foram capazes de tentar seriamente compensa quase tudo. Não lamento que tenhamos chorado juntos.

VIII

É bem certo que por vezes as fotografias nos legam imagens nebulosas que mais nos confundem a memória do desejado objecto fotografado.

IX

Sentiu o sopro frio do destino no pescoço desguarnecido de cabelo e o mesmo quase enjoo nauseante, quase físico que experimentara antes, sempre que os mesmos pensamentos o assaltavam.

Pensou em si como um pigmeu a uma janela demasiado alta de onde mal observava a vida que não era a sua; Vida que corria indiferente à sua, quase paralela, sem nunca a interceptar e ambas paralelas a outra, de que nada sabia nem queria saber. Um anão, sem sistema, sem espinha, sem nada que fosse seu.

Rui

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