quinta-feira, novembro 23, 2006

Urso em Discurso









Quis fazer um elevado e eficaz discurso,
e subido ao palanque de elevada altura,
discursou de lá como uma cavalgadura.
Fez, fez figura, mas uma figura de urso!

Yur Adelev

-Era o grande dia da aldeia. Toda a gente, do mais novo ao mais idoso, estava ali reunida no largo para ouvir o Presidente da Câmara Municipal, o Dr. Manuel Pêra. Esta era a primeira vez que ele presidia à festa desde que vencera nas últimas eleições o Eng.º João Carrapeta.
-“Minhas Senhoras e meus Senhores,…” - começou o presidente a dizer do alto do bebedouro das vacas. “Minhas Senhoras e meus Senhores, doravante será…”
-Lá do outro lado do largo o António da Carméla gritou: “O que quer dizer doravante?”
-“Daqui para a frente…” – respondeu o presidente e continuou: “Doravante, será este o dia em que homenagearemos o mecenas que…”
-O Tóne da tasca, empoleirado na roda do tractor do Bernardes, perguntou: “Que é que lá isso do “homejaremos”, ó Sr. Presidente?”
-Já a denotar alguma irritação o presidente lá foi explicando: “Homenagearemos! Homenagear, quer dizer comemorar, festejar. Entendido? Parem lá de interromper senão nunca mais termino! Dizia então eu que homenagearemos o mecenas…”
-“Mecenas é o santo não é Senhor Presidente? O que está na capela?” – Gritou a Ti Adélia do meio da malta com a sua voz esganiçada.
-Já a bufar, o presidente olhou para o seu adjunto que estava ali mesmo ao lado, dentro de um fatinho italiano, e que também já desesperava.
-“Não minha senhora, isso do santo, é padroeiro. Mecenas é … é benfeitor, é o homem que deu o dinheiro para construirmos o Centro Social, o Senhor Comendador Francisco Ferraz Franco Ferreira Fernandes!” – Disse o adjunto quase a gritar.
-“Então dia eu…” – Continuou o Presidente enganando-se. “Dizia eu, que doravante, será este o dia em que homenagearemos o benfeitor que nos permitiu a feitura deste…”-“Fei quê?” – Perguntou o Ti Zé, ali mesmo junto aos pés do presidente da Câmara e do adjunto.
-Nessa altura, o autarca deixou no ar um sonoro palavrão e atirou com os papéis por onde lia ao ar. Ainda se ouvia o eco da sua última frase e ele, seguido de perto pelo seu adjunto, já entrava no Mercedes preto com motorista fardado e saia da aldeia a enorme velocidade.
-Foi então que rebentaram as palmas efusivas e que todos se encaminharam para as fêveras e costeletas que se assavam ali perto no terreiro.

Por entre dois golos de tinto e uma dentada no pão, dizia o Tóne da tasca ao António da Carmela, à Ti Adélia e ao Ti Zé, que o rodeavam: “Ele hoje esteve muito bem. Excelente mesmo, não acharam? Deveras eloquente, sagaz, comunicativo e loquaz. Um verdadeiro tribuno, um orador nato!”
-Todos sorriram maldosamente.

1 comentário:

Alien David Sousa disse...

Que disparate lol