domingo, novembro 05, 2006

HIPERMARCADO










15:00 Horas
-Depois de descobrir um lápis e uma folha de papel começo a fazer uma lista do que preciso comprar numa grande superfície: Cerveja, Gin, água tónica para o Gin, frutos secos para acompanhar o Gin-tónico, bolachas para acompanhar o Gin e mais cerveja para o caso de acabar o Gin. Depois lembro-me de alguns luxos a que me posso ainda dar e escrevo: sardinhas e atum em lata, after-shave, café e comida para gatos. O resto pode muito bem improvisar-se na ocasião.

16:00
-É Sábado e está sol, toda a gente deve ter aproveitado para passear e só irão ás compras lá para o final da tarde.
-Afinal a dois quilómetros do Hiper já há filas de transito e movimento a mais para o meu gosto; Parece que milhares de idiotas tiveram a mesma ideia que eu tive e por azar escolheram o mesmo hiper-mercado que eu escolhi.

17:00
-Consegui finalmente trocar dez euros em moedas para usar uma no carrinho, embora tivesse que comprar um semanário e um maço de cigarros, dos que não fumo, e esperar 15 minutos na fila da tabacaria para isso.

17:20
-Finalmente encontrei um carrinho, mas tive que voltar ao parque de estacionamento para o comprar a um miúdo por dois euros e esperar que a família com a maior das lentidões, terminasse de colocar as compras na furgoneta a cair de velha. A porcaria do carrinho, como de costume, guincha por todo o lado e tem uma roda emperrada o que faz de cada curva um exercício do tamanho de meia maratona.

17:35
-Depois de fazer quase um quilómetro de volta à entrada, eis que entro e me dirijo à zona da papelaria.
-É então que sou assaltado por uma patinadora que me oferece um cartão de credito do hipermercado: “Deixe-me falar-lhe das grandes vantagens que pode ter usando o nosso cartão. Blá, blá, blá…, apenas 2% de juros…”
-É aí que pergunto: “A taxa é anual?”. A pobre da patinadora tinha tanto de boa...patinadora como de idiota: “Sim…, bem… não… acho que é ao mês”. É esta a minha deixa, despeço-me dizendo algo em que falava de TAEG a 21%, que sabia que ela não iria entender.

18:15
-Como não encontrasse o que queria e me tivesse distraído a comparar mentalmente os preços dos livros que folheara, dirigi-me com um caderno A-4 sob o braço sempre ao som da “Macarena” e de uma voz que debitava frases imperceptíveis e chamamentos a uma tal Drª. Luísa, para a secção de lacticínios.
-Agora cada metro era um calvário. As donas de casa deixavam os maridos, os filhos e os carrinhos de compras abandonados no meio dos corredores e iam a duzentos metros buscar um sabonete ou uma beringela em promoção. Enquanto as poucas que se mantinham junto dos carrinhos, eram elas próprias tão largas que ocupavam mais espaço que o próprio carrinho.

18:45
-Ao passar na secção das bolachas parei.
-Atrás de mim tinha vindo uma senhora de idade avançada e peso idem, que invariavelmente tinha problemas de travões e me batia com o carrinho nos tornozelos sempre que eu era obrigado a parar.
-Reparei que ao meu lado, uma dona de casa de saltos altos e calças de fato de treino, estudava atentamente cada artigo: validade, peso líquido, data de embalagem, preço e sobretudo comparava ingredientes; Tudo isto em voz alta. Cheguei a pensar que preparasse uma OPA a uma qualquer fábrica de bolachas, que fosse nutricionista ou que tivesse todas as alergias alimentares do mundo. No entanto, depois de tudo isto, atirou com o ultimo pacote para o carrinho e deixou as prateleiras em total desalinho. De tal modo, que não encontrei aquelas que queria e acabei com bolachas de água e sal em vez das de chocolate, recheadas com chocolate, com cobertura de chocolate e pepitas de chocolate.

19:23
-Cheguei à secção de bebidas espirituosas.
-Ao meu lado direito, um tipo gordo ameaçava o filho de sete anos, berrando-lhe que lhe tirava a Playstation, todas as vezes que a criança aos gritos pedia um chocolate com cromos da Floribela. A filha, que aparentava 16 anos, gorda como o pai estava enfiada nuns jeans com rasgões onde, fisicamente nunca poderia ter sequer entrado; Usava um top curto em cima e demasiado curto em baixo, deixando entrever por entre os pneus, meia tatuagem de uma caveira e um piercing que ofuscava.
-Foi então que quase entendi porque é que nos Estados Unidos por vezes, alguém compra uma arma e num local destes arma uma chacina.
-Por sorte, o Gin que eu queria estava em promoção, muito embora tivesse sido mais caro do que da última vez, mas trazia consigo um inútil copo feio com o logótipo da marca e uma embalagem com dez amendoins recessos.
-A cerveja estava a bom preço, comprei três pack’s.

20:18
-Estou a suar e dói-me todo o corpo da luta com o carrinho. Parece ter vida própria, vira sempre à direita quando quero virar à esquerda e vice-versa.
-Paro no corredor dos cafés. Procuro um lote de que gosto e que tem o nome de um país africano. Nisto, sou abordado por uma senhora idosa de ar simpático que me pede para lhe ler o rótulo de uma embalagem. Leio, e logo a seguir de uma outra e outra e outra… Quando finalmente chegamos ao fundo do corredor, conhecia não apenas as características de 57 tipos de café, mas também a sua proveniência, a historia e a vida do neto da senhora estudante universitário em Braga que namorava com a Cristina que era uma jóia e de boas famílias. Despedi-me da D. Clara e enquanto me afastava, vi pelo canto do olho que agarrava uma embalagem de descafeinado.

20:47
-Secção de artigos para animais. Agarro as primeiras seis latas com o desenho de um gato no rótulo e saio dali.

21:00
-Chego à caixa numero 89. Como levo mais que sete artigos não posso usar uma caixa rápida.
-Ainda me perguntei se um pack de seis cervejas contaria por seis artigos ou por um. E a embalagem de guardanapos? Seriam cem artigos ou um?
-A menina da caixa era lenta. Bem… lenta é dizer pouco, mas sempre vos digo que jamais poderia ser caçadora de lesmas, esses rapidíssimos animaizinhos rastejantes e viscosos.
-A senhora que estava nessa altura a ser vítima da caixa, olhava para cada artigo como se não os tivesse ainda visto, como se não tivesse sido ela a colocá-los no carro ou este fosse de outra pessoa.
-O seguinte, era um senhor na casa dos cinquenta anos que experimentou vários cartões para conseguir pagar, acabando por faze-lo em cheque preenchido manualmente, já que o preenchimento automático estava avariado.
-A jovem, que estava três lugares à minha frente, foi rápida mas não havia já troco para lhe dar. Foi preciso chamar uma patinadora que tratasse do assunto. Entretanto a senhora atrás dela esqueceu-se de umas massas, que depois de pedir que lhe guardassem o lugar, foi buscar. O troco acabou por chegar, mas a senhora das massas não. Entretanto os dois clientes seguintes lá foram colocando as compras, enquanto o carrinho aguardava pela chegada das massas ali mesmo ao lado da caixa.

-Era a minha vez finalmente, mas mal peguei no primeiro item, chegou a desaparecida das massas. Trazia consigo sete ou oito artigos mas nenhum tipo de massa. Com um sorriso e um “desculpe lá”, passou-me à frente e começou a colocar a sua tralha no tapete de borracha.

21:39
-Respondi ao “boa-noite” maquinal da menina da caixa e reparei que mascava chiclete com a boca aberta, fazendo-me lembra as minhas férias na aldeia e os verdes pastos onde...
-Não, vou pagar mesmo em dinheiro! Respondi, nessa altura fui olhado de cima abaixo e carimbado como pelintra ou algo ainda pior.

22:10
-Cheguei a casa, comi uma sopa, uma sanduíche, bebi quatro gin-tónicos e adormeci na paz dos anjos depois de fazer um telefonema.

1 comentário:

r disse...

«onde...» se faziam piqueniques debaixo de figueiras e colhiam espargos para comer com ovos mexidos...

Este texto, como todos, está fabuloso.
Quando é que resolve escrever o tal livro?