segunda-feira, setembro 04, 2006

Protocolos e Igualdades












-O ser humano é por definição um ser profundamente contraditório. Tem necessidade para poder viver harmoniosamente em sociedade, de um conjunto de normas que tende a ignorar logo que as suas necessidades pessoais se sobreponham ás necessidades comuns. Necessita de uma ordem pré-estabelecida por que se reja e a que possa criticar ou opor-se a cada passo. Se por um lado possui a tendência de que seja outro a fazer e a decidir por si, quando as decisões e as acções não vão inteiramente de encontro ao que pensa, estão para si indubitavelmente mal feitas e é então que pretende ser ele a fazer e a decidir. -Bom…, se isto pode parecer uma introdução que pode conduzir a uma análise de cariz político ou sociológico, não é disso que vos vou falar hoje. Não vou falar nem de politica, nem de sociologia nem sequer de nada que seja algo minimamente transcendente. -De que pretendo tratar aqui? Quem levanta a mão? Vamos lá a ver então, o senhor aí na última fila.

(o apontado): “Vai falar de subjectividade!”

-Mesmo isso seria ainda assim profundamente subjectivo, mas então podemos começar por aí e subjectivarmos todos em conjunto.
-Uma das palavras possíveis que usaria para me definir seria “anarquista”, apesar de não me considerar anárquico.
-O que quero então eu dizer com isto?
-Não sou favorável à abolição do actual estado de coisas, nem favorável à abolição do estado, do regime ou do sistema. No entanto sou contra, (e este “contra” não significa uma recusa absoluta), contra uma grande parte dos protocolos e formalismos dos comportamentos socialmente aceites.
-A linha é fina e muitas vezes invisível quando se procura separar a hipocrisia e as boas maneiras e muitas vezes nem existe sequer.

(Voz inidentificável) …a hipocrisia é por vezes preferível ao conflito!

-Vejo que os apontamentos do ano passado já estão a correr por aí; Nada a opor! Mas na realidade tudo depende das consequências que possam advir do conflito e essa é a única medida possível. No entanto não desejo ir por aí para já.
-Era então do protocolo que se falava.
-Se vamos a um local, vestimos de uma maneira determinada. Se nos vamos a encontrar com alguém a quem consideramos importante, trataremos essa pessoa com respeito, até por vezes excessivo. No entanto, se lidamos com alguém cujo aspecto nos parece de algum modo desagradável (um Zé ninguém) sentimo-nos com licença de o desrespeitar, de endurecer a voz ou de lhe faltar ao respeito como modo de evidenciarmos a nossa superioridade moral e estética. Vamos a um médico ou a um advogado somos amáveis. Vamos a uma “tasca”, temos o direito de ser crápulas, refilões e exigentes em excesso. Somos atendidos por uma senhora no interior de uma farda de design, somos polidos e educados mas se nos atende alguém de fato-macaco, tratamo-lo de qualquer maneira. Podemos regatear numa feira mas não numa loja de marca.
-As demarcações e classes sociais não são coisa do passado. Somos todos iguais perante a lei, mas os ricos podem pagar melhores advogados que os pobres, melhores médicos, melhores escolas e universidades. Somos todos iguais, mas uns um pouco menos do que outros.
-O que é o protocolo?
-È exactamente o mesmo que a arte. Critérios pessoais que alguém tratou de fazer passar por universais.
-O que é o protocolo?
-Uma deferência que se tem para com aqueles que são nossos iguais ou superiores. No entanto, não se esqueçam jamais que um crápula não é menos crápula se têm ou aparenta ter mais ou menos capacidade financeira ou acesso ao poder.
(…)

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