A Horta da Democracia
-Faz muito tempo, que nesta horta peninsular mais chegada ao lago Atlântico, apenas havia uma árvore frondosa e verde que dava sombra ao solo, frescura a quem sob ela decidia abrigar-se e alimento e protecção a todos. Chamavam-lhe árvore do Estado Democrático Livre e Justo. Essa árvore crescera a custo, demorara a ganhar alento, a espalhar os seus ramos e a abrir as suas folhas. Aliás, ainda não estava e talvez não estivesse nunca, suficientemente crescida, mas lá ia medrando.
-Um dia, o hortelão encarregado de a regar com o suor de muita gente, decidiu deixar que à sua sombra crescessem outras plantas. Vieram então os gordos repolhos ex-presidentes, as couves pencudas ex-ministras, as abóboras que rolavam de partido em partido, as melancias ecológicas (verdes por fora e vermelhas no interior), os nabos dos ministros, a pimpinela socrática e outros vegetais cujo colorido de inicio alegrava a visão daquela horta.
-Os cheiros e aromas das saladas e das sopas espalhavam-se pelo ar e com eles (e por eles) foram atraídos os pulgões, as lesmas, as lagartas e toda a restante bicharada que vivendo à sombra da árvore sempre se tinham encolhido nos seus buracos escuros.
-A pobre árvore bem tenta abrigar a horta, mas os ácaros sugam-lhe a seiva, os corvos defecam-lhe nos ramos e os ratos ávidos roem-lhe as raízes.
-Entretanto, o velho hortelão, agora cego pelas cataratas, ruma a Cuba para ser operado depois de seis anos a aguardar numa interminável lista de espera sem resultado algum.
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