-Chegaram as férias.
Para grande parte dos portugueses isso quer dizer pouco; ou não têm férias em tempo de férias ou não têm dinheiro para gozar férias ou não têm simplesmente férias. Apesar disso, ainda existe muita gente que anseia um ano inteiro por esta época de férias.
-È em tempo de férias que muita da mais evidente estupidez humana se revela, saindo do fundo de um qualquer gavetão como o fazem as toalhas de praia e os biquínis.
-Uns correm à santa terrinha na esperança de parecerem os senhores que durante todo o ano não são. Aborrecem os tios e primos, os sogros e pais, comportam-se como se o facto de viverem na “cidade” fosse algo para todos os outros inatingível. Finalmente passados quinze dias regressam com a mala cheia de couves e batatas, amaldiçoando as moscas e trazendo na consciência que estão prontos para outro ano de trabalho árduo e servil.
-Existem também aqueles para quem as férias ideais não passam da corrida estúpida às praias algarvias. Regra geral, deslocam-se em bandos de um ou dois casais, familiares ou amigos e arrastam atrás de as crianças ranhosas, de dedo dentro da narina direita. Onde quer que passem, ou pior, que parem, existe um evidente estardalhaço de berros, pedidos de gelados e baldinhos de praia aos tombos. Já no Algarve, cozinham todas as refeições na cozinha do apartamento do costume porque é mais em conta e invadem diariamente os supermercados logo antes do almoço em busca dos enlatados mais baratos. Fazem tudo em calções de banho ou de futebol. Vestem T-shirts com frases que não sabem o que significam e jamais, JAMAIS se separam das chinelas de meter o dedo. Depois, hão-de consultar todas as “revistas dos famosos” na esperança de terem aparecido lá muito atrás e ao fundo, numa foto de um qualquer dos muitos “cromos” do nosso “jet zero” nacional. Tal como estes, também os que rumam ao sul de Espanha se apresentam nos mesmos moldes de trajadura, contenção económica e de atitude. Diferindo apenas dos primeiros, por falarem com toda a gente que lá encontrem em “portanhol” e em “espanholês” e distinguindo-se deles por acharem que estiveram de férias no estrangeiro e que isso é o mais importante.
-Um outro grupo é aquele dos que planearam férias atempadamente. Correram todas as agências de viagens, todas as feiras, vasculharam a Internet no PC dos miúdos e dois anos depois, ainda hão-de conservar grande parte dos folhetos que recolheram. Hesitaram entre Cuba, Brasil e coisas como Punta Cana, antes de pedir o empréstimo com o qual acabaram de pagar as férias do ano anterior e pagarão as deste ano. Ouviram conselhos de todos os conhecidos que por lá já passaram e que lhes mentiram com todos os dentes acerca das maravilhas que por lá viram. Desde há meses que sonham com resorts maravilhosos, com “bar aberto” e comida à fartazana. Vêm, sempre que fecham os olhos, paisagens de telenovelas com praias vazias, coqueiros e empregados submissos e atenciosos até perder de vista. Três meses antes do embarque já deram a conhecer o seu destino a todos os que os conhecem e não perdem a ocasião de falar da viagem de avião, ainda que seja a despropósito de um qualquer despenhamento de aeronave.
-À chegada, visitam os amigos e família, massacrando-os com mil fotografias e vídeos, revelando assim sem querer que do país que visitaram não conheceram nada fora dos muros que protegem os turistas da realidade.
-Mas talvez as férias sejam isto e para isto mesmo. Talvez sirvam para desligar o cérebro, em alguns casos, ou para o manter bem desligado, em outros.
-Nas férias, não são permitidas crises governativas, políticas ou existenciais. Nas férias o país é apenas cor-de-rosa ou ainda mais cor-de-rosa.
-Talvez a realidade também vá de férias este ano e se tudo nos correr bem talvez não volte.