-Há um dia em cada ano em que a cidade se enche de vermelho ou encarnado, se preferirem.
-Chega a parecer que a Rainha santa Isabel retornou da História e fez, não só o milagre das rosas mas também o milagre da multiplicação das rosas. Ou que o país inteiro se rendeu à celebração de um titulo do Benfica, do Salgueiros ou agora, da selecção Nacional de nova fatióta.
-Não existe alminha, seja homem ou mulher, que me desculpem os que se não incluem nas duas categorias, que não transporte consigo uma dessas singelas flores, ou ramos delas acompanhadas de um cartãozinho .
-Cruzo-me com homens que arrastam consigo rosas à unidade, em cones de celofane ou aos ramos, consoante a bolsa, mas todos ou quase, com ar de quem cumpre não um ritual mas um dever pesado, como o de ir votar em dia de “ponte” e de praia no Verão. As mulheres, senhoras ou meninas não lhes ficam atrás; algumas trazem dois e três ramos ou rosas e parecem olhar em redor à procura de um caixote que a Câmara Municipal ali deveria ter colocado.
-Nas montras está tudo da mesma cor. Abundam em todas os mesmos músculos cardíacos estilizados e os mesmos ursos de peluche abraçados a tudo e mais alguma coisa.
-Para o comércio é um dia de “fartar vilanagem”. Há de todo em todos os feitios, mas tudo na mesma côr e com o mesmo objectivo. É necessário, até mesmo obrigatório, comprar algo para que o “objecto” da nossa paixão saiba um dia por ano, que o/a não esquecemos, para que se não sinta esquecido/a para que possa mostrar e comparar com os/as amigos/as os postais melosos e os presentes mais ou menos dispendiosos.
-Os restaurantes e sucedâneos lugares onde se come, estão cheios de parezinhos de namorados, um de cada lado de uma vela inevitavelmente vermelha e os empregados correm entre as mesas a fingir sorrisos enquanto pensam na gratificação.
-Tudo em nome de um santo que provavelmente não existiu, que não fez nada do que as pessoas pensam e que é uma tradição estranha à nossa cultura. Mas isso que interessa? Há que avançar com os novos tempos, respeitar os novos hábitos, ainda que impostos pelo consumismo e inventar mais uma dúzia de dias para que se compre algo mais, em nome de algo mais.
-Por cá, também existem partidos e governantes que à falta de causas prementes, inventam e reciclam causas antigas para desviar a atenção dos seus problemas e ganharem assim algum espaço na comunicação social.
-Será assim tão diferente o comércio da política e a política do comércio?
-Pode ser que sim mas parece-me cada vez mais In-Provavel.
-Quanto ao S. Valentim, fica-me o contentamento pelos gestos realmente sinceros e pelos sorrisos de apaixonada satisfação que o dia traz.
-Eu sorri e pensava ser In-Provavel.
Rui
Nota: Relativamente ao mesmo tema, existe um outro "post" publicado em Setembro 09, 2005, intitulado:
"Cupidos e outros adoráveis malandretes".