terça-feira, dezembro 13, 2005

Matar Saudades












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Estava ali apenas. Estava ali parada como o seu olhar estava parado. Pareciam, ela e o olhar, esperar alguma coisa. Talvez fosse o autocarro que havia de levá-la a casa de um filho ou de um de um neto. Domingo, dia de almoço familiar numa casa cheia de alegria, crianças a correr gritando e fazendo barulho; Televisão alta e cheiro de carne assada e pudim. Filhos, netos, talvez bisnetos a rever, a ter ao colo, a dar beijos, a matar saudades. Lembrava-me vagamente a minha mãe; mas todas as mulheres de ar simples e olhos bondosos me lembram a minha mãe.
-Sabes… o meu pai morreu quando eu tinha quinze anos. Diziam-me que essa era a pior idade para se perder o pai. Mas hoje sei que não existe nenhuma idade boa para coisas tão más. A minha mãe então, ficou sozinha comigo e quando digo sozinha insisto no que digo. Naquela idade quando já se tem a chave de casa e a convicção de ser crescido, tudo no mundo são estradas que nos afastam de casa. No entanto, nunca passei uma Páscoa que não fosse com ela, um Natal que não lhe visse os olhos tristes e cinzentos que antes haviam sido verde-água-alegre.
-Não, não me deixava fazer tudo o que eu queria, bastava-lhe pedi-lo e a mim bastava-me que o pedisse.
-Hoje, quando vejo uma mulher de olhos bondosos lembro-me sempre da minha mãe.

-Chegou o autocarro e quando lhe vi o saco de roupa suja, maior do que ela e talvez tão pesado quanto ela, lembrei-me da proximidade do estabelecimento prisional; Lembrei-me das visitas dos domingos de manhã, reservadas apenas a familiares próximos. Há anos que assistia àquele desfilar de sacos dominicais nas proximidades de casa.

Talvez um filho, um neto ou talvez um bisneto? A matar saudades.

Rui

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