-Abriu primeiro o olho direito e depois o esquerdo com esforço considerável. Esticou-se lenta e preguiçosamente, delicadamente como uma flor que abre as pétalas ao sol primaveril. Era a elegância dos gestos, a lentidão quase pensada, com que esticava cada um dos membros e com que tacteava com os dedos alongados, o sofá em que adormecera. Olhou em volta e abriu a boca no seu ritual de acordar, leeeenntameeeente e bocejou.
-Parou apenas um momento e respirou profundamente. Era como se visse o mundo pela primeira vez. Como se a cada despertar tudo fosse novo, diferente e belo para si. A cada despertar uma vida nova dentro de um dia novo. Olhou o sol lá fora, invernoso e pálido, mas brilhante e quente e desejou-o acima de todas as coisas. Desejou deitar-se sob ele e absorver-lhe com a pele o brilho e o calor e ficar assim para sempre nessa indolência sem pecado.
-Reparou com especial atenção no movimento de um pequeno ramo que oscilava para lá da cortina da janela e projectava a sua sombra. Recordou-se de outros despertares, de outros ramos ondulantes e vagamente de acordar com companhia ali a seu lado. Sentiu uma saudade indescritível.
-Desceu até ao chão que pisou mansamente com passos decididos e silenciosos como se dançasse uma complicada coreografia mil vezes ensaiada. Sentou-se no chão tépido, aquecido pelo sol da manhã e gozou a sensação. Começou então, devagar, a lamber as patas e depois o resto do pelo.
Rui
2 comentários:
"Sentiu uma saudade indescritível."
Esta coisa que nos aperta o coração e faz de nós seres diferentes; às vezes mais curvados, mais pequenos...
Às vezes, nem sei como...
Bom Natal
Ah! Adoro gatos...
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