De repente uma pancada vinda de trás acertou-me no ombro direito.
-C’mo está? Lembra-se de mim?
Já aconteceu a toda a gente.
Não faço ideia de quem seja aquele personagem de cara aparvalhada e olhar irritantemente brilhante, quase feliz ou pelo menos sinceramente alegre e irritante.
-Nã se lembra de mim?
E outra palmada no ombro.
-Bem realmente… sabe como é a memória, ás vezes…
-Vá lá… pense um bocadinho, pá!
Mais uma palmada e outra.
Procuro em todos os arquivos da minha memória e nada. Nem a cara nem esta voz fininha e melada se encontram lá em local algum. Nada… e ele ali sem dar mostras de seguir o seu caminho para que eu possa retomar o meu.
Seria um colega de estudos, da tropa, da politica, seria familiar de alguém, amigo de um amigo? Seria do Coral, da natação, um ex-colega de trabalho… mas quem de onde? De Lisboa? De Coimbra?
Podia ser o Fernando Valente ou o João Malhado que tinham uma voz assim e também falavam com tiques de quéque e que não vejo há… não o Fernado morreu e o Malhado anda de cadeira de rodas.
-V’lá Carlos… sou eu o F’lipe. O F’lipe da equitação! Você namorou com a minha irmã, a Lita. Imagine que ainda ontem falei com o Jorge e os outros sobre si. Qué feito?
(Carlos? Ele chamou-me Carlos? Também não sabe quem eu sou, isto é uma confusão dele que me confundiu com alguém.)
-Pois é F’lipe. Grande F’lipe agora me recordo. E também já me lembro porque não te reconheci.
Enquanto falava apertei-lhe o ombro direito até lhe ver desaparecer o sorriso e dobrar ligeiramente ambos os joelhos.
-Atão? Estou assim tão defrente?
-Não! Não te reconheci porque sempre te achei um chato, um empretigado e um tipo insuportável. Além disso se fosses alguém interessante, importante ou com algum significado havia de me lembrar não achas? E depois o Jorge e o resto daquela gentalha da equitação eram todos umas bestas como tu. Passa bem e diz-lhes isso mesmo! Já agora… a feiosa da tua irmã conseguiu encontrar algum palerma que casasse com ela?
Não me lembro de ter visto alguém tão embaraçado desde há muito. Atirei-lhe ainda à cara um “Passar bem” seco e deixei-o especado no passeio a ver as minhas costas a afastarem-se levando-me com elas.
Apenas gostava de saber o que os rapazes da equitação pensarão agora do tal Carlos.
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