De regresso a casa, entro num cafézinho pequeno por onde passo todos os dias e onde jamais entrara. Na realidade estou apenas a adiar o regresso a casa e o acto compulsivo de escrever o que aqui estou a escrever como resultado dessa compulsão não obsessiva. Queria que fosse algo pleno de significado, algo inspirado que traduzisse um sentimento profundo ou então, algo irrisório e vulgar mas pleno de conteúdo. Prefiro, aliás preferi sempre, ser um espectador atento ao essencial do que tornar-me parte dos acontecimentos que me levem a perder-me no circunstancial e nas descrições secundárias.
No entanto hoje não parece existir nada no mundo de que mereça falar-se ou que me mereça a vontade de falar, pensar ou escrever. Fico apenas ali, a olhar o desenho da borda do pires e os padrões da falsa madeira da mesa.
Sentara-me perto da entrada para poder ver a ruas e as alminhas penadas que se passeiam aos Sábados de tarde como se este fosse um dia especial em que as ruas fossem apenas suas. Os vestidos domingueiros, os óculos de sol de fancaria, as t-shirts com dizeres a que ignoram o significado, as mãos dadas (mais posse que paixão) os chinelos pendurados no “dedão”.
Ao fundo do café na ultima das mesas sentava-se um casal loiro com uma menina de cerca de 3 anos, também loira que eu via apenas pelos espelhos. Conversavam contidos, com uma compostura de quase humildade de gestos e de palavras. A menina usava um vestido branco de folhos como aqueles que já se não usam, com bordados feitos à mão e sentava-se na cadeira abanando as pernas ainda longe do chão. Estranhamente não olhava em volta nem fazia menção de se levantar e correr o café todo soltando gritos estridentes.
Algo neles me fazia lembrar um quadro qualquer que não me recordava ter visto alguma vez e podia chamar-se “Família Feliz” ou “Tarde em Café”.
O pai, retirara do bolso os trocos, contou-os com meticulosidade e dirigiu-se ao empregado apontando uma fatia de bolo sob uma redoma de vidro enquanto a mãe olhava para o horizonte que há-de existir para lá do balcão. Quando regressa à mesa com a fatia triangular pousada num prato desmesuradamente maior do que a fatia trazia também uma garrafa de Coca-Cola. A garotinha bateu palmas sem fazer um ruído que fosse. A mãe retirou da bolsa três velas amarelas com as pontas enegrecidas e colocou-as no bolo equanto o pai retirava de um dos bolsos fósforos com que as acendeu. A criança abandonou a imobilidade total em que se mantivera no ultimo minuto e depois da mãe olhar em volta a certificar-se de que ninguém os olhava começou a cantar uma canção quase inaudível e para mim incompreensível; seguem-se palmas. A menina sopra as velas com um sorriso aberto que lhe mostrava os dentes e os olhos claros e tão claros e abertos como o sorriso. A mãe recolhe as velas na bolsa de onde tinham saído. Trocaram beijos e sorrisos e a menina comeu a fatia de bolo e voltou a beijar os pais.
O pai levantou-se e dirigiu-se ao balcão para pagar e foi então que reparou que eu também ali estava. Pareceu incomodado mas não desviou o olhar do meu. Sorri-lhe e ele sorriu-me de volta.
Lembro-me de ter pensado que gostava que todos os sorrisos fossem como o sorriso daquela criança ou o do pai e que tudo fosse dão digno e simples como o que acabara de presenciar.
A tristeza apenas me surgiu quando os vi sair de mão dada.
A criança no meio dos pais saltitando como todas as crianças felizes de três anos saltitam quando se sentem felizes.
2 comentários:
gosto muito dos teus textos poéticos.
....................não sei escrever silencios, espero que seja assim....................................................................................................
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