-Tenho oitenta e três anos, uma reforma vergonhosa, filhos e netos que só vejo no Natal, contas que não posso pagar e uma vida inteira de trabalho. Outros que têm a minha idade entram em sentido contrário em auto-estradas porque elas são confusas. Eu sou mesmo um palhaço!
-Vivo num país em que quem tem dinheiro foge à Justiça para o Brasil, regressa em liberdade e é eleita Presidente de Câmara. Logo: …sou um palhaço!
-Tenho um primeiro-ministro que faz férias na neve e safaris em Africa. Antes e depois congela aumentos e progressões de carreira que eu mereço e pelas quais trabalhei sempre; Obriga-me a trabalhar mais anos para que me reforme, nomeia amigos e os amigos nomeiam outros amigos e ainda tem a lata de me pedir sacrifícios e de me falar da crise. Sim, a mim fala-me de crise, …porque eu sou um palhaço!
-Estou no meu carrinho para ir para o emprego a ouvir falar de crise em todas as notícias e quando olho para o lado, vejo um rapaz de 22 anos num Mercedes que eu nunca poderia sequer sonhar ter. Ele ou o pai dele são culpados de algo muito grave com certeza, e eu? Eu sou um palhaço!
-Um careca com um excelente implante de cabelo, desgraça uma câmara municipal do norte do meu país, é nomeado ministro, deixa de o ser, perde eleições, aguarda um pouco enquanto se passeia de jipe Mercedes com, …imagine-se, MOTORISTA; É depois nomeado administrador da GALP. Bolas, ele pode ser careca mas eu sou um palhaço!
-Tenho vinte e poucos anos passados a estudar à custa do esforço e sacrifício dos meus pais. Tenho um curso superior e vontade de trabalhar. Tenho amigos que trabalham em instituições governamentais apenas porque os tios são aí directores. Sou actualmente ajudante de peixaria de uma grande superfície. Ainda bem que a minha licenciatura era Biologia Marinha. Sim ainda bem, para saber que sou um verdadeiro palhaço.
-Tenho 47 anos e trabalhei desde os 14 na mesma fábrica onde o meu pai e o meu avô trabalharam sempre. A empresa encerrou deixando por pagar 18 meses de ordenados e 115 pessoas no desemprego. O Proprietário mantém as suas casas em Lisboa, Algarve, Ibiza e Brasil, bem como a quinta no Douro, um barco em Vila Moura e todos os automóveis que possuía. Eu… mantenho a família viva à custa da arte de sapateiro, mantenho alguma dignidade e pouca esperança no futuro dos meus. Mantenho também a certeza de ter sido toda a vida um verdadeiro palhaço, triste mas ainda assim palhaço.
-Sou professor, cometi o “erro” de desejar ter uma família como toda a gente. Estive sempre nos primeiros 18 anos de carreira a mais de 80 quilómetros dela. Quando menos recebia tinha que pagar duas casas, gasolina, portagens, e cheguei quase a passar fome. Perdi uma boa parte do crescimento dos meus filhos enquanto adorava ensinar os filhos dos outros; Esforcei-me sempre o mais que pude sem ter muitas vezes os meios que necessitava, para os alunos e por eles. Fui insultado, tentaram agredir-me, riscaram-me o carro, não me aumentam e exigem-me que trabalhe nas escola e o volte a fazer quando chego a casa. No entanto ainda gosto do que faço, mas parece que nem pais, alunos ou ministras o entendem. Tudo isso apenas porque é por vezes difícil entender um palhaço e eu… sou apenas mais um palhaço!
NOTA:“Nenhuma das situações aqui relatadas reflecte qualquer situação real que o autor verdadeiramente conheça. Trata-se unicamente de situações imaginárias e ficcionadas e como tal impossíveis de existirem na vida real.”
Depois de feito tal esclarecimento também eu afirmo que sou um palhaço, embora nutra enorme respeito e estima por todos aqueles que o são profissionalmente.
Rui