sexta-feira, setembro 30, 2005








Por vezes sinto-me bondoso apenas por dizer bom dia como resposta, por partilhar um guarda-chuva sob a tempestade. Por comprar chá ou pegas de lã que não preciso, para ajudar a encobrir o acto de mendigar vendendo.

A culpa não é de ninguém, há desigualdade social, miséria, instituições e governos.
Há desculpas para virar a cara e esconder o olhar.


Olho a carteira só tenho cinco euros, não tenho ilusões!

Rui

quinta-feira, setembro 29, 2005

T-SHITS IN





Confesso, podia ter-me dado para pior....

segunda-feira, setembro 26, 2005

xenófobia ou...


Ele há dias assim…

Como de costume, ou tem-se tornado costume em dias assim, em que a “neura” vai alta, Não me apetecia jantar em casa.

Escolhi, já bem tarde, um restaurante grego cujo dono é cipriota e onde tinha ido uma outra vez num dia tempestuoso como o de hoje. O empregada brasileira, que entendi chamar-se Alliana, por ser o que tinha num enorme cartão sujo que lhe pendia do impecavelmente negro avental, entregou-me a lista e cumprimentou-me sorridente e simpática.

Mesmo em frente a mim, jantava animadamente um casal ucraniano ao que entendi, cujo marido pelo que a mulher lhe chamava a cada passo, se chamaria algo como Yulin ou Yurin.

Enquanto tentava recordar como se chamavam as costeletinhas de borrego que comera da primeira vez, dei por mim a recordar a conversa que tivera de tarde com uma rapariga checa e com o seu namorado irlandês que cá está para iniciar um ano de Erasmus e que me confessou adorar a comida dos nossos restaurantes chineses.

Jantei na paz do Senhor, mal acompanhado por mim e pelas minhas “tonterias” quando já no final recebi um telefonema de um casal de amigos italianos, para lá ir a casa tomar um café. Recusei polidamente e adiei para outro dia em que não me lembrasse de nenhuma desculpa ou em que estivesse mais sociável.

Lembro-me de ter vindo para casa num autocarro cheio de cabo-verdianos que regressavam de uma festa de musica angolana, a decorrer não sei onde e de pensar que afinal se nós somos assim tão xenófobos como muitas vezes nos acusam seria excelente que toda a gente em todo o mundo fosse apenas tão xenófobo como nós somos…ou talvez não…


Rui

Uffffaaaa..!





Já não sou capaz de suportar os detentores da verdade, os seus donos e senhores, os que falam como se tivessem toda a razão o tempo todo. Os que apontam o indicador e disparam com voz irritada em todas as direcções, criticas e censuras como se fossem santos num infernal local criado para demónios.

Os profetas da liberdade e direitos sem obrigações, sem deveres e sem consequências, por ser moda. Os que defendem os direitos de quem lhes agrada e esquecem os direitos de todos os outros. Os teóricos das despenalizações de tudo “porque é assim que é a liberdade, porquê sim”!

Os que buscam em cada esquina das crises uma causa para substituir a anterior e para mobilizar os que a troco de uma “passeata” estarão sempre mobilizáveis. Os que para não se afogarem em depressões do seu próprio tédio são anti-tudo e pró apenas o que lhes interessa. Os paladinos de mil causas oportunistas, por não terem causa nenhuma excepto a sua própria causa. Os sempre presentes frente às câmaras das televisões a discorrerem acerca da solidariedade que não praticam e do povo que usam para os seus fins.

Os radicais e exacerbados militantes do anti-radicalismo.

Os vanguardistas “subsidio-dependentes” que nunca sobreviverão sem as migalhas estatais, que nada produzem e que se insurgem sempre contra tudo sabendo que a polémica é um bom trampolim para a discussão e esta para a fama.

Os críticos sem razões e sem cérebro, descabidos no discurso, exagerados nos argumentos, pretensiosos na cultura, repetitivos nos ataques com que descriminam e insultam, quando os que tem diferentes opiniões se manifestam. Os que em nome de uma arrogância idealista criticam, insultam e refutam quem não pense do mesmo modo.

Rui

domingo, setembro 25, 2005

sábado, setembro 24, 2005

New age








Antigamente a só os “tolinhos” falavam sozinhos pela rua ou no caso de serem bastante endinheirados, os excêntricos. Hoje toda a gente quer na rua quer no automóvel usa uma espécie de antena que lhe sai de uma das orelhas e mexe os lábios abrindo os braços em gestos largos. Várias vezes imagino que cantem ao som de uma música qualquer que cá fora se não ouve.

Hoje fazem-se férias com crédito que apenas termina depois de se contrair novo crédito para as férias seguintes. Paga-se a casa em trinta ou mais anos pagando duas ou três casas. Levam-se os meninos à escola ou ao colégio para que não andem de transportes públicos e pretende-se que lá fiquem todo o tempo possível por em casa serem empecilhos à vida organizada dos pais. É necessário ter telemóvel de ultima geração, ou dois, ou três. O carro está a ser pago, a equitação das crianças e o ténis e o piano também. Tudo é administrado com um esplendor falso e corrente. O cartão de crédito, esse, vai sendo administrado num cortejo de meses e prestações semelhante ao desfile de um funeral até ao local de definitivo repouso.

Mecanissices






Sempre me perguntei o porquê de em quase todas as oficinas mecânicas existirem em razoável profusão calendários de mulheres nuas. Elas são loiras, morenas, ruivas da década de sessenta e setenta. Muitas são copias mal urdidas da miss Agosto da Playboy e de outros meses, a encimarem uma espécie de anúncios a casas de peças de escape e outras partes de “mecanicisses” em ninguém nunca repara.. Aliás a quantidade é tal que penso que ninguém repara sequer nas donzelas semi-nuas em poses vulgares e sempre iguais a que só varia o cenário por detrás.

Será que se pretende um efeito decorativo para esconder a sujidade de óleo e/ou tinta? Ou é suposto serem homens, os clientes exclusivos das oficinas e se pretende insinuar algo deste género: “Nós somos melhores do que a oficina ao fundo da rua porque os nossos calendários são melhores”?

Já pensei se os mecânicos e afins, todos os dias fariam uma pausa quando já muito cansados da sua labuta, para se reunirem em frente aos calendários ou cada um frente ao seu e por entre duas goladas de cerveja aberta contra a bancada de trabalho, comentarem a focagem da foto, a imaginação do cenário, a qualidade rara dos têxteis com que destapam as meninas, ou a excelente forma física delas. Mas francamente não me parece.

terça-feira, setembro 20, 2005

E... dade?













Tenho 41 anos. Não sou nem velho nem novo sou ambos ao mesmo tempo e regra geral sou novo demais e demasiado velho quando quero ser o contrário. Quarenta e um anos é diferente de ter quarenta ou quarenta e dois, embora seja sempre eu independentemente da idade que tiver. Mas por vezes não sei bem o que é exactamente isso de ser eu.

Envelhecer é das poucas certezas que possuo, de todas as realidades é das mais democráticas e inexoráveis.

Antigamente pensava que quando atingisse esta zona da vida em que estou seria mais capaz. Mais envolvido na vida, mais sabedor e experiente. Mas tudo o que até agora aprendi resume-se a saber que não aprendi nem o suficiente nem aquilo que queria aprender e que está muito bem assim.

A vida não é um puzzle à espera de ser construído peça a peça mas sim as cores com que o puzzle se pinta. Não será um puzzle coloridíssimo mas é colorido e vivo; Não é preciso nem exacto mas é perfeito.

Há na vida pelo menos uma justeza, a que se revela naqueles de quem gostamos, nos momentos felizes, na beleza e na passagem das estações.


Gosto da vida mas não me entendam erradamente. O mundo está cheio de desgraças e de lágrimas e o meu mundo também. Limito-me a acreditar apenas que algo melhor há-de existir um dia e que me irá surpreender como antes já aconteceu.

segunda-feira, setembro 19, 2005

"Chatos" e fininhos








N
ão há nada mais “chato” do que um “chato”.

Um “chato”, pode muito bem tornar-se num autentico pesadelo para qualquer pessoa. Pode aborrecer-nos de dia, acabar com a pouca paciência que ainda nos resta ao fim de dia, ou estragar-nos as noites apenas pelo facto simples de existir e de ser “chato”. Existem variados estilos de chato: o “tolo da aldeia”, o perguntador obsessivo, o falador exagerado, o crava-tudo, o lambe-botas, o “chato” maníaco da alimentação racional, do anti-tabagismo, da legalidade exasperante, dos telemóveis, da vida dos outros, das promoções e dos descontos, das telenovelas e concursos, o chato do Jet-set a que chamam “aborrecido”, enfim, uma variedade bastante variada deles. Mas sobretudo há um género que me exaspera: O “Chato por falta de sentido de humor”. Confesso que consegue quase sempre levar-me às fronteiras da perda de paciência. Não entende anedotas nem sequer piadas subtis ou trocadilhos, não compreende as observações oportunas e com graça que lhe fazem ou toma-as literalmente, sem sequer um copinho de agua e ofende-se. Reage mal às brincadeiras e… pior, normalmente acha-se engraçado e bem disposto. A falta de humor é realmente uma coisa muito “chata” de gente muito “chata”.

Existem e andam por aí à espera de uma ocasião para nos dar cabo do juízo e nos fazer exasperar ou simplesmente fugir deles.

Pessoalmente odeio “chatos” e tremo de cada vez que penso que posso ser eu um, em circunstancias que escapem ao meu controle ou em que inadvertidamente me torne num. Por isso muitas vezes evito falar acerca de assuntos que para mim tem interesse mas que para outros não passam de vagas ideias. Evito dar continuidade a conversas que não me interessem e evito sobretudo a companhia de “chatos” por ter sempre desconfiado que a “chateza” possa ser contagiosa como uma espécie de sarampo da mente. No entanto, já me tem acontecido ser apanhado com a guarda em baixo e deixar que um chato se torne meu amigo. Depois disso torna-se muito difícil achá-lo “chato” do modo que antes o achava e acabo por vezes até por gostar das pequenas coisas que me exasperam mas que nele consigo, se não aceitar, pelo menos entender como parte dele. Nessas alturas reparo, sempre como uma novidade, que os “chatos” não sabem que o são. Vivem como se fossem pessoas normais, vão a jantares, casam, tem amigos e filhos como se não fossem os “chatos” que são. Alguns cometem mesmo o “crime” de serem excelentes pessoas nos intervalos das sua “chateza”, são realmente preocupados com os conhecidos e procuram ajudar sempre que podem, muitas vezes sem que lhes peçam e algumas vezes atrapalhando mais do que ajudam. Mas não será isso que faz deles más pessoas, apenas pessoas “chatas”.

Espero não ter sido “chato”, mas não escrevo mais por recear que se torne uma chatice.

quinta-feira, setembro 15, 2005

Na era das TIC

Não fui das primeiras pessoas a ter telemóvel. Quase posso dizer que resolvi render-me aos seus encantos por necessidade. Nos primeiros meses não o usava. Não dei o meu número a ninguém. Escondia-o na mala apesar de ser enorme. Não vou dizer que parecia um telecomando. Qualquer telecomando por grande que seja teria uma tamanho bastante razoável se comparado com aquela embalagem de quilo de açúcar negro que eu transportava discretamente comigo. Transportava-o quase sempre para uma eventual situação de necessidade extrema. Essa situação ocorreu. E qualquer pessoa sensata me diria que tinha feito bem em adquirir o telemóvel - “vês como faz falta?”. Pois fez, mas nesse dia o meu querido telemóvel estava sem bateria e foi um condutor que passou na estrada e que não tinha telemóvel que me levou até ao telefone mais próximo.
Também não fui das primeiras pessoas a idolatrar os computadores. Aprendi, enquanto estudante, qualquer coisa que nunca usei e foi bem mais tarde que, errando muitas vezes e perdendo alguns trabalhos, aprendi o que hoje utilizo e que também não faz de mim uma conhecedora desta máquina.
Quanto à Internet… bem, não poderia ser diferente e também não me despertou o interesse muito cedo. Haverá certamente pela rede muitos endereços de correio electrónico que eu tentei criar, ou terei criado, mas aos quais nunca soube aceder e quando comecei a fazer o que considero essencial com relativa facilidade não tinha ideia do que tinha feito anteriormente.
Passei cinco dias sem acesso à Internet e com o telemóvel quase sem rede, conseguindo falar menos de um minuto de cada vez, e durante esses dias senti-me completamente isolada do mundo. Neste momento não entendo como sobrevivi tantos anos sem estas máquinas. Não falo, naturalmente, dos anos que antecederam a sua invenção mas como é que eu não fui das primeiras pessoas a interessar-me por estas maquinetas milagrosas logo após a sua comercialização?!? A natureza humana é mesmo misteriosa.Ontem passei em frente a um netcafé e parei um bocado a olhar: 15 minutos 0,50€, 30 minutos 1€ e 1 hora 2€. Ainda pensei entrar mas depois decidi “não é nada disto que eu quero”. Eu não quero poder usar a Internet 15 minutos ou uma hora. Nem sequer duas. Eu quero usar por tempo indeterminado. Ver e actualizar o correio com calma. Visitar os sites habituais. Perder-me a encontrar outros que não conheço. Depois de cinco dias sem ter um vislumbre cibernáutico entrar num netcafé e comprar uma hora far-me-ia sentir pior do que passar mais cinco dias sem qualquer contacto com o mundo virtual. Será um vício? Talvez. Mas se for quero-o por inteiro e recuso-me a administrá-lo em pequenas doses. (Ana)

terça-feira, setembro 13, 2005








Eu acredito em Deus. Eu acredito na existência de algo que desconheço, algo inquestionável e absoluto mas tenho a convicção profunda da sua existência. Acredito num Deus único independentemente do nome que Lhe dão ou dos ritos que Lhe dediquem. Tenho os meus ritos e respeito os dos outros. Mas não tenho o “meu” Deus, tenho Deus apenas.
Acredito no Deus bom, que nos deu o livre arbítrio, e que zela apenas superiormente por nós, como um pai compreensivo que não interfere na vida dos seus filhos a quem compreende e perdoa.

Costumo dizer meio a brincar, que todas as religiões são boas se respeitarem a vida no sentido mais lato, as outras religiões e até quem não crê em nada.

Esse Deus em que creio acreditar, parece ter nascido comigo em vez de me ter sido ensinado, parece existir em mim antes ainda de eu existir.
Quando leio ou releio a Bíblia, (e poucas vezes o faço), leio-a como se lesse um livro normal. Um livro de princípios e não de obrigatoriedades. Um livro onde se mistura história, crença, ensinamentos morais e lendas e não como algo estrito que se deva seguir obrigatória, exacta e cegamente. E no entanto sempre me fascinou nas suas descrições, nas suas histórias, nos seus relatos e ensinamentos.
Rezo tal como aprendi a fazer mas como também me ensinaram, falo com Deus como se falasse com um bom amigo, com intimidade e confiança. Sempre que alguém me ensinou a fazê-lo de outro modo, respeitei a sua crença e rezei do modo como então me ensinaram. Já rezei em vários templos de diferentes ritos, praticas e religiões e falei sempre com o mesmo Deus por palavras cânticos ou rituais diferentes. Respeito todos símbolos, e todos aqueles que os não usam mas que os respeitam. Acredito em Jesus e em outros profetas como acreditam aqueles que apenas crêem nos seus profetas.

O meu Deus não tem raça, credo cor ou convicção. Não tem nacionalidade ou território. Não castiga, não recompensa mas não exclui. Estará dentro de cada um como O sinto dentro de mim, como sinto os ensinamentos e convicções que possuo em mim. Acompanhando-me sem nunca me empurrar mas também não me amparando as quedas que eu escolhi cair. Ajuda-me a procurar e respeitar a verdade e os valores em que acredito e por isso, a respeitar os valores dos outros ou a buscar pontes que nos unam e não vales que nos distanciem.

No entanto e apesar de tudo, não respeito os que não respeitam os outros, os que não crendo ou crendo de modo diferente tentam converter quem não pensa do seu modo ou insultam quem acredite em algo diferente de si. Aqueles que dotados do que julgam ser as únicas certezas, ofendem e maltratam os que não pensam do mesma maneira. Os que berram em nome da tolerância e insultam de modo intolerante.

"Não sei o que me enoja mais: se a beatice tonta da direita que aproveita a religião para fins eleitorais se a demagogia bacoca duma esquerda que trata aos católicos como anormais profundos. "


( Desconheço o autor. A frase chegou-me assim )

Rui

segunda-feira, setembro 12, 2005

Tricios






Gosto de café que me faz mal. Gosto de tomar café, sobretudo se acompanhado por um cigarro negro saboroso e gosto dos cigarros que fumo. Gosto até, imagine-se, de algum álcool, depois do café e do cigarro, durante o cigarro ou durante outro cigarro.

Sou realista à luz da razão vigente: autodestruo-me e sei disso, mas sabe-me bem! Enche-me a vida e aqueles momentos vazios em que não penso em coisa alguma, excepto nos sabores. Olhos fechados, abertos para dentro. Entre sedosas nuvens de bem estar que me separam da vida real nesses momentos.

Nessas alturas, não busco, não justifico, não exploro os pensamentos. Não autopsio o que sinto ou sente alguém ou as razões. Não tenho nem ninguém tem, lógicas ou atitudes, actos nem emoções. Não existe absurdo e penso que talvez nem exista eu.

Rui

domingo, setembro 11, 2005

Atendimentos







Hoje de manha, a minha “errância matino-dominical” levou-me a uma das mais conceituadas lojas da minha cidade e onde acreditava ser possível comprar uma caixa de CD’s para gravar sem ser molestado, importunado, impedido de caminhar e incomodado por ninguém. Muito provavelmente, desde a minha ultima visita o gerente da loja deve ter feito um curso daqueles que não servem para nada mas a que chamam formação contínua na área de vendas; ou isso, ou acordou com uma terrível ressaca e decidiu que os “assistentes de loja”, deveriam a partir desse dia tornar a vida impossível aos possíveis clientes assaltando-os com exagerada e não solicitada simpatia e solicitude.

-BOM DIA!!!! - Disparou sobre mim uma simpática criatura que exibia colado no rosto o mais falso sorriso que algum dia tinha visto – Como posso ser-lhe útil hoje?
Reparei bem nela nessa altura, notei que se “plantara” solidamente entre o que eu estava a observar e a minha pessoa, que se encontrava armada com uma capa rígida e que parecia ameaçar-me com uma esferográfica bic no caso de eu não lhe responder.
-BOM DIA. – Respondi com um sorriso tão falso quanto o dela.
-Posso ajudá-lo nalguma coisa?
-Eu sei o que procuro, mas obrigado na mesma. – Respondi quando apenas me apetecia empurrá-la da minha frente e continuar o meu caminho.
Podia jurar que a resposta a insultou mas ainda assim deixou que passasse sem insistir.
Não tinha ainda dado doze passos quando um rapaz, com o cabelo apanhado em rabo-de-cavalo e de camisa ás riscas da mesma cor da gravata se materializou à minha frente e à queima-roupa me disparou outro “bom dia”.
-Olá!
-Como posso ser-lhe útil hoje?
-Só quero comprar uma caixa de CD’s graváveis!
-Tem gravador de Cd’s?
Nesta altura fiquei indeciso entre insultá-lo, agredi-lo ou fugir daquele manicómio a sete pés mas depois recordei-me que devem suportar por ali gente que não sabe mesmo o que anda a fazer neste planeta.
-Sim… Tenho gravador de CD’s!
-E, se me permite que quantidade pretende comprar?
-Uma caixa de vinte e cinco CD’s.
-Hum… mas assim sai-lhe mais caro do que comprar de cinquenta ou de cem.
Nesta altura eu já rosnava e procurava no seu pescoço um ponto, acima da gravata torta, para no mínimo agarrar com ambas as mãos e não voltar a largar até que se calasse ou desaparecesse para o buraco de onde tinha saído.
-Posso recomendar-lhe que a marca “X”?
-NÃO! Não, muito obrigado!
-Mas repare que estão em promoção!
-N-Ã-O, m-u-i-t-o o-b-r-i-g-a-d-o! Disse quase encostando a minha testa à sua e carregando bem em cada uma das letras.
-E posso perguntar porquê?
Respirei fundo cerrei os punhos e decidi: “Bem… se queres mesmo brincar, então vamos ambos brincar”
-Se eu lhe explicar, o senhor vai deixar-me comprar o que quero em paz e sossego?
-Claro eu apenas…
-Então cá vai: não compro essa marca por ser uma valente porcaria. Por já a conhecer, estar farto de CD’s estragados que não duram coisa nenhuma e que se recusam a deixar-se reproduzir em condições! Nem que os estivessem a dar em caixas de quinhentos eu os queria! Entendido agora?

-O senhor desculpe eu só queria…

Não o deixei terminar a frase. Contornei-o, e dando-lhe uma pancadinha no ombro disse-lhe: “ Eu compreendo, com licença e muito bom dia!”

Comecei a caminhar na direcção que pretendia mas ainda o ouvi dizer baixinho algo acerca de reclamar da qualidade da marca “X” junto da gerência.

Mal pude agarrei com ambas as mãos a embalagem sem sequer olhar ao preço e dirigi-me ao balcão para pagar e de onde me saudava já com um sonoro “-BOM DIA!!!!” a menina para lá da caixa.
-Posso ajudá-lo?
-Claro! Pode dizer-me quanto tenho que pagar aceitar o meu dinheiro e colocar a compra num saco por favor…mas só isso. – Rosnei eu o mais calmo possível.
Já estava quase na saída quando de novo na minha frente aparece nada mais do que a primeira “assistente de loja” colocando-se entre mim e a porta e de novo brandindo a esferográfica bic.
-Queria só perguntar-lhe se o atendimento foi simpático, posso?
-Pode e respondo-lhe já que foi simpático, demasiado simpático até.
Mas ela não entendeu o que eu dissera ou não se deu ao trabalho de movimentar o único neurónio e prossegui sorridente: “Ainda bem…então com certeza não se importa de me preencher um inquérito acerca da qualidade de atendimento? …É muito rápido!”

Estive a ponto de gritar, mas de repente sorri-lhe e disse: “Com certeza terei mesmo muito prazer!”.

Rui

sábado, setembro 10, 2005

Uma rua como a minha


A minha alma é uma rua vazia onde não passa ninguém…Apenas, por vezes, um triste bêbado errante e solitário.

Deixo que passe como se passasse além, sem sequer o ver, sem querer saber de onde vem.

Nem a lua, esse tema tão querido, como uma única e vaga promessa de união, ou uma prece… lá passa, nem sequer aparece, tão distante e tão ao alcance da mão, como o ar.

As noites decorrem em silêncio, iguais e brancas e nas pedras da minha rua não há passos de ninguém a soar.

Dei por mim perdido da minha vista, perdido na rua que é minha. Faltam-me pedaços importantes que antes tinha… e sem eles já não sou.

Quero reencontrar-me naquela esquina onde ainda vou, completo de novo. Numa esquina fria, à luz de um candeeiro triste, da minha rua vazia.

Anas

Um destes dias, enquanto aguardava quase em desespero que as 150 senhas à minha frente fossem atendidas, saí da sala de espera e sentei-me nos degraus junto à porta de entrada. Foi aí que conheci a Ana. Uma simpática menina, quase 30 anos mais nova do que eu e que saíra pouco depois de mim. O diálogo foi aproximadamente o que se segue e foi ela quem o iniciou.
- Olá, como te chamas?
- Olá, chamo-me Ana, e tu?
- Eu também me chamo Ana. Temos o mesmo nome, podemos ser amigas!
- Podemos.
- Porque vieste para a rua?
- Porque ainda tenho de esperar muito tempo e estava muita gente lá dentro.
- Não gostas de muita gente?
- Às vezes gosto mas agora estavam a fazer muito barulho.
- Não gostas de barulho?
- Bem… não costumo gostar. Tu gostas?
- Gosto. Estás sentada no chão… a tua mãe não ralha contigo?
- (E agora? Como é que respondo a isto???) Hoje não, sabe que só me sentei no chão porque estou muito cansada.
- Estás a ler uma história?
- Estou, queres que te leia um bocadinho?
- Quero!!!
Imaginei que não se interessaria muito por David Lodge e comecei a inventar uma história absurda e completamente incoerente com patinhos e meninos, um lago e uma casinha e mais uns quantos pormenores, igualmente originais, que me ocorreram para responder às ininterruptas questões que a minha atenta ouvinte colocava.
Poucos minutos depois a mãe, que tinha a sorte de já ter sido atendida e só tivera de esperar uma hora e meia, saiu e agradeceu-me a companhia. Não tinha nada a agradecer. É bom inverter os papéis de vez em quando e fez-me bem aquela conversa em que me senti a pequena Ana a responder de forma atabalhoada às perguntas da Ana adulta de palmo e meio. (Ana)

sexta-feira, setembro 09, 2005

Cupidos e outros adoráveis malandretes










O
Cupido não passa de um estupor.

Idiota e bêbado, com considerável miopia.

Não entende absolutamente nada de Amor

e tem uma péssima pontaria!

Yur Adelev

O Cupido ao contrário do que se pensa, não passa de um tipo balofo e baixinho, na casa dos quarenta, com falta de vista e de penas na asa direita.

Todos os dias, depois de acordar e enquanto desfaz a barba sob as olheiras, mira-se ao espelho e lamenta a vida que tem levado. Toma duas aspirinas, um Guronsam e recomeça outro dia.

Há dois séculos que se compromete a beber menos, deixar de fumar e consumir mais vegetais. Mas vai adiando.

Naquele dia, acordou particularmente enfastiado, consigo e com a vida, com os outros todos e particularmente com Júpiter. O pouco tempo que dormiu, dormiu mal. Acordou várias vezes com pesadelos e quando se levantou para ir à casa de banho, tropeçou nos chinelos “de meter no dedo” e bateu com o joelho direito contra o bidé. Disse três ou quatro palavrões, fez o que tinha a fazer e voltou para a cama sem lavar as mãos.

Todas as manhãs, relia a embalagem de flocos ao ponto de conseguir recitar tudo o que lá estava escrito, até em letras pequeninas que só lia com o olho esquerdo aberto e com um esgar no rosto para focar melhor. E quando terminava fazia sempre a mesma pergunta a si mesmo: “Será que vale a pena comer a embalagem de flocos? Mais sabor a cartão não deve ter do que os próprios flocos…?” Mas nunca se respondera, nem comera a embalagem.

Como sempre, no final do pequeno-almoço agarrava o jornal diário que roubara ao vizinho da frente e lia os signos em que dizia não acreditar. Mas nesse dia, depois de lêr como era hábito uma vez por semana, por vezes duas… que os nativos do seu signo iriam encontrar a pessoa que tanto idealizavam, atirou com o jornal. Pensou um pouco e depois dirigiu-se com ar furioso até à janela, levando numa mão a aljava e na outra o arco. Abriu-a de par em par e o mais rapidamente que foi capaz, disparou todas as suas setas ao caso. Fechou a janela já mais calmo, ligou a TV, tirou do frigorifico uma cerveja e sentou-se no sofá o resto do dia.

Eu sei que foi assim! Tenho uma cicatriz de flecha na nádega esquerda e uma dor enorme no coração para o provar.

Rui

terça-feira, setembro 06, 2005

Fim de tarde






"Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumadores teriam uma fila de pretendentes a bater-lhes à porta. O amor não se interessa em fazer contas, não obedece à razão.
O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção das estrelas.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, porque se veste bem e é do Benfica. Isso são só detalhes inúteis.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pelas palavras ditas, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Amas aquela ali?
Escreveste dúzias de e-mails que ela não respondeu? Mandaste-lhe um coração de cristal e ela tem-no esquecido numa gaveta?
Tu gostas de jazz e ela de rock? Ela gosta de não ter horas e tu és pontual? Tu abominas o Natal e ela gosta do Ano Novo? Nem no ódio vocês combinam?
Então?
Então… ela tem um modo de rir que te deixa imobilizado, o seu beijo vicía mais do que chocolate, ou gelado. Tu adoras discutir com ela e ela adora implicar comcontigo?. Isso tem nome.
Amas aquele idiota?
Ele diz que não fala alto e grita, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário?
Ele diz que te ama e tu temes que não? Está sempre ”teso” e é possessivo?
Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim não o consegues esquecê-lo?
Quando a mão dele te tocou a nuca, Tu derretes-te como manteiga.
Ele adora animais e escreve poemas?
Porquê amar este tipo?
Não me perguntes a mim, tu és inteligente.
Lê livros, revistas, jornais?
Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem valor?

É linda…
O seu cabelo é como a noite sem estrelas. Independente, inteligente, excelente pessoa. Gosta de viajar, de música, maluca por computador… e os olhos?

Tu tens bom humor, não chateias ninguém?
Como um curriculum assim, criatura, por que estás sem amor?

Ah, o amor, essa raposa…
Quem dera que o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu inteligente + tu linda e inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim!
Amar não requer conhecimento prévio nem consulta de cadastro.
Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos são aos pontapés, bons motoristas e bons pais de família, é o que mais há por aí!
Mas ninguém consegue ser do modo que o amor da sua vida é!
Pense nisso"

É uma adaptação de : "Crónica de Amor" de Arnaldo Jabor

domingo, setembro 04, 2005

Já não. QUERO!


Já não quero princesas nem contos de fadas.

Não quero lágrimas de mulher adulta nos meus ombros molhados.

Não quero que mais ninguém atraque no cais da minha solidão.

Não quero problemas que não tenho por os terem os outros, nem dúvidas, nem incertezas, nem distâncias.

Quero risos, quero gente que saiba o que quer e onde quer ir e que venha comigo.

Quero luzes, quero som de música, quero copos, quero corpos perto do meu.

Não quero mágoas antigas nem bonecos de pano.

Quero saliva, quero suor, quero respirar outro ar que não o meu.

Não quero beijos a pedido, enviados por piedade da lonjura.

Quero despedir setas em todas as direcções com o olhar e receber as setas dos outros olhares.

Não quero algemas nem laços nem ventos de futuro, nem ausência de promessas, nem promessas sequer.

Quero horas, quero dias que sejam fugazes, sem rasto nem espera.

Quero prazer sem mais nada, quero chegar sem ter ido, não quero esperar.

Não quero mais noites como as minhas, nem ruínas na minha alma.

Quero ser nascer do sol e não ocaso quero ser cimento e não areia.

Não quero teias de aranha no sótão dos afectos, nem passados no meu presente.

Quero querer tudo isto e querer mais ainda, até não querer mais nada.

Mas já não sei como se quer, por querer apenas o que sei.

Rui

sábado, setembro 03, 2005

Visões Soltas (1)












I

Escondi-me de mim e de coisas que pensava e não queria. Escondi-me no trabalho, no álcool; Fiz-me pequenino para caber numa chávena vazia de café ou entre as páginas de um livro. Andei entre as sombras das árvores e evitei as luzes da noite. Passei longe de toda a gente e de tudo. Não lamento.

II

Há anjos da guarda que nos cortam as asas e nos deixam a alma amolgada.

III

Havia e talvez haja ainda, um reino distante. Tão distante que era ao mesmo tempo longe de tudo. Ficava num vale enorme capaz de ocupar o mundo e tinha as mais altas montanhas de se ouviu falar por terem o tamanho do mundo.

Nesse reino havia dois reis e um deles era sempre derrotado e uma só princesa, bela, indecisa, muito nobre e sobretudo leal.

IV

Tive uma fase na minha vida em que não queria que ninguém soubesse o que se passava. Rapei o cabelo e chamei-lhe moda por saber que cairia. Irritava-me profundamente que ninguém sentisse o medo e a piedádezinha que eu sentia por mim.

Feliz ou infelizmente tudo, como eu, passa, o bom sobretudo, o mau raramente e eu sempre passo.

V

Aprendi que os “bête noir”, são maus sonhos resultantes de receios profundos transformados em pesadelos recorrentes. Como não sou psicólogo nem me interessam as interpretações dos “dissecadores de sentidos e sentimentos “, folgo no facto de ser saudável ou pelo menos ignorante.

VI

Também hoje ouvi que o estado prolongado de insónia pode provocar paranóia temporária.

Fantástico, pensei! Depois a desilusão.

Vou ter que me aguentar com as minhas dúvidas.

Só acontece a paranóia por insónia realmente prolongada e quatro dias não devem contar.

Até essa desculpa me escapa para não recear aquilo que penso!

VII

Esforcei-me por eles em horas impróprias, e tempos não pagos. Contavam mais comigo talvez do que com eles. É duro acordar cedo para ajudar e estar até tarde a pensar nisso.

A admiração paga pouco ou nada, mas ver que foram capazes de tentar seriamente compensa quase tudo. Não lamento que tenhamos chorado juntos.

VIII

É bem certo que por vezes as fotografias nos legam imagens nebulosas que mais nos confundem a memória do desejado objecto fotografado.

IX

Sentiu o sopro frio do destino no pescoço desguarnecido de cabelo e o mesmo quase enjoo nauseante, quase físico que experimentara antes, sempre que os mesmos pensamentos o assaltavam.

Pensou em si como um pigmeu a uma janela demasiado alta de onde mal observava a vida que não era a sua; Vida que corria indiferente à sua, quase paralela, sem nunca a interceptar e ambas paralelas a outra, de que nada sabia nem queria saber. Um anão, sem sistema, sem espinha, sem nada que fosse seu.

Rui

sexta-feira, setembro 02, 2005

coisas...








Por vezes sinto ser mesmo totalmente paranóico. Faço sempre as mesmas coisas, escuto sempre a mesma música, repito sempre os mesmos erros, e antes de adormecer tenho sempre as mesmas dúvidas.

A pergunta que mais frequentemente me vem à ideia é: “Porquê tenho os mesmos problemas desde há dois anos?”. Meramente teórica, entenda-se, a resposta eu conheço-a mas daí não tiro solução alguma.

À minha volta vejo apenas dúvidas, hesitações, pensamentos repensados, que retorcem a espinha e corroem os nervos e no entanto eu também sou inseguro e reflexivo sem saber se isso é positivo ou não, excessivo ou não. Talvez por isso sinta tantas vezes, demasiadas vezes o meu quinto sentido a piscar alarmantemente como se algo importante se estivesse a passar ou para ocorrer. Não entendo porque algumas das minhas noites me causam esses sintomas alarmantes de impaciência única e enervante. E de manhã quando o meu sono que toda a noite velei se compadece e me deixa acordar sem ter dormido, não me apetece levantar da cama. È como se o meu “Eu” soubesse que algo aconteceu, está a acontecer ou estará para acontecer.

Sei que um dia ou momento próximo, tudo isto parará sem que saiba como de costume o porquê.

Rui

quinta-feira, setembro 01, 2005

MU-DANÇA


Os anos não terminam, decorrem, sucedem-se, seguem-se uns a outros num ritmo quase imutável com diferença de um segundo. Na realidade mudamos de ano todos os dias; Todos os dias são aniversários de qualquer coisa e todos os dias seguintes são novos anos.
Todos os dias deixamos anos para trás e levamos connosco tarefas não terminadas, coisas várias que arrastamos connosco. Mas sempre que olhamos para uma nova data, temos a esperança de recomeçar e mudar a partir dela, mas cometemos os mesmos erros, cumprimos os mesmos hábitos e nada muda realmente apenas por mudar a data.

Alteramos rotinas e chamamos à alteração, mudança. Tomamos resoluções de mudar mas não o fazemos e tal como em Janeiro datamos com a data do ano anterior os primeiros documentos, vivemos na continuidade que transportamos de um ano qualquer, para o ano qualquer que se lhe segue. Repetimos apenas as mesmas acções tendo vã toda a esperança ilusória de com a mudança de ano, obter diferentes resultados.
Somos todos escravos de uma mentalidade frágil que busca elixires no calendário da esperança para a mudança que não temos. Prometemo-nos e prometemos mudanças e continuamos “mesmeiros”, na mesmíssima realidade.
Nenhum contador volta ao princípio, nada se altera ou apaga por ser um ano que queremos novo.

Mudar é como beber um vinho novo de uma nova garrafa, enquanto permanecer, é beber sempre do mesmo vinho na mesma garrafa ou o mesmo vinho em garrafa diferente.

Rui